quarta-feira, 12 de abril de 2023

O que é Ciência?

Quando comecei (link) a explicar o que é química, iniciei dizendo que ela é uma ciência. Como não podemos deixar palavras diferentes passarem direto, temos de nos perguntar: o que é ciência?


É comum associar a imagem de um laboratório e uma pessoa manuseando utensílios como béqueres (líquido amarelo), erlenmeyers (líquido azul) e balões de destilação (líquido verde). Este último aquecido por uma chama fornecida pelo bico de Bunsen. Ciência também é feita dessa forma.

Antes de responder imediatamente o que é ciência, quero falar de conhecimento. Tudo aquilo que você aprende durante a vida forma o seu conjunto de conhecimentos. Alguns úteis, outros não. Alguns pessoais, outros você deseja compartilhar. Alguns verdadeiros, outros não. Alguns você acha que fazem sentido, outros acha que não fazem. Toda informação que armazenamos na memória chega até nós de alguma maneira, não importa como, o que importa é como distinguir o verdadeiro do não verdadeiro, que muitos confundem com falso, mas deixarei isto para outra oportunidade.

Algumas vez você já teve azia? Azia, também conhecida como pirose, é caracterizada por uma sensação de desconforto e queimação na garganta e nas regiões superior e média do peito, além de um gosto ácido (azedo) na boca. Como você pode notar, azia é um sintoma de acidez estomacal. Nesta circunstância você já tomou algum remédio para acidez estomacal? Ou ocorreu de uma senhorinha da sua família sugerir chá de boldo?

Boldo, boldo africano ou boldo-de-jardim é uma planta “Indicado como analgésico, estimulante da digestão e para combater azias. Quando usado por longos períodos, pode causar irritação gástrica. Seu uso é eficaz no combate a males hepáticos. O boldo deve ser evitado durante a gravidez, pois pode ter propriedades abortivas. Os praticantes da medicina popular consideram que estimula as funções digestivas, aumentando a secreção biliar, e é diurético”. Esta última parte eu retirei do verbete da wikipédia a respeito do boldo.


Pode ser que a senhorinha não saiba todos os detalhes citados acima. Mas ela carrega consigo uma ideia desde a infância, passada por gerações, de que o chá de boldo ajuda em situações específicas. Esta é uma forma de conhecimento. Por acaso é verdadeira.

Provavelmente você conhece alguma superstição. Seja a de usar um pé de coelho, uma ferradura ou o trevo de quatro folhas. São ideias passadas adiante pelas pessoas que não parecem fazer sentido e acabam por fazer parte de rituais. Às vezes funcionam, às vezes não, mas é comum lembrarmos apenas das vezes em que funcionam.


A pergunta mais pertinente que devemos nos fazer agora é: como distinguir aquele conhecimento que funciona do que não funciona? Ciência é a resposta!


Veja bem, ciência é uma ferramenta desenvolvida pela humanidade para identificar como a natureza funciona. Pois ela não vem com manual de instrução. Como a ciência nos ajuda a saber se alguma ideia corresponde à realidade? As pessoas que trabalham com ciência, ou seja, os cientistas, seguem o método científico.

E como funciona esse tal de método científico? Bem, ele possui etapas. Vamos a elas:

1ª Etapa: observação de um fenômeno.

Por exemplo, um fenômeno observado há séculos pelos seres humanos, é a lua de sangue. Quando a lua é cheia e passará por um eclipse (lunar). Como é de se imaginar, ela fica avermelhada nesta circunstância.


Muitas vezes você não precisa testemunhar o fenômeno. Basta receber um relato dele. É o caso de Eratóstenes de Cirene, diretor da Biblioteca de Alexandria, num dos manuscritos dessa instituição, ele tomou conhecimento de que, no Solstício de Verão, na cidade de Siena (atual Assuão), ao meio-dia, o Sol ficava quase exatamente no zênite (quando os objetos não fazem sombra), de modo que podia ser observado no fundo de um poço.

Eratóstenes (276 a 194 aec)

Chamo a atenção para esses dois casos pelo seguinte motivo. Às vezes o fenômeno é explícito ou pouco discreto. Por vezes ele é tão sutil que mal se percebe. Neste caso, nota-se a genialidade do Eratóstenes.

2ª Etapa: elaboração de uma pergunta.

A pergunta que um ser humano faria a si mesmo diante de uma lua de sangue depende de quando na história ele viveu. Depende também de seu acesso a informações cruciais a respeito de astronomia e, possivelmente, de sua localização no planeta. Se uma pessoa acredita que tais fenômenos são causados pelas divindades cultuadas por sua sociedade, sua pergunta envolverá uma delas. Caso ela saiba que as divindades “nãos e importam” com a cor da lua, sua pergunta será no sentido de saber como isto foi possível. Como uma pessoa comum explicaria a troca de cor da lua? Ela foi pintada manualmente? As divindades assim quiseram? Estas são perguntas possíveis, mas não as únicas.

No caso de Eratóstenes, bem mais específico, ele ficou curioso para saber se, no mesmo solstício de verão, o sol ocuparia o zênite em sua cidade. Ele se perguntou algo como “em Alexandria será igual ou diferente de Siena?”.

3ª Etapa: formulação de hipóteses.

A formulação de hipóteses é a etapa na qual a pessoa responde à pergunta de forma direta ou com riqueza de detalhes.

É possível alguém pintar a lua? A princípio não, então descartamos esta hipótese antes mesmo de avançar para as próximas etapas. Sabemos que a lua reflete a luz do sol, pois ela é um astro, não possui luz própria como uma estrela. Algo acontece com a luz do sol antes de refletir na lua ou após sua reflexão, mas ocorre em algum momento antes de chegar até nós. Apresentarei duas hipóteses neste sentido.

Hipótese 1: a luz do sol é alterada antes de chegar à lua.

Hipótese 2: a luz do sol é alterada após refletir na lua.

Quanto ao Eratóstenes, a hipótese criada por ele é a de que a terra é uma esfera.

4ª Etapa: experimentação.

É nesta etapa que testamos nossas hipóteses. Normalmente fazemos testes de modo a demonstrar que são falsas. Daí a expressão falsear. Em ciência, o processo não é o de confirmar uma hipótese. Pelo contrário, tentamos mostrar que ela é o não falsa. Os menos atentos podem pensar que é a mesma coisa, mas não é, e mostrarei o motivo. O fato de um teste ou experimento mostrar que uma hipótese não é falsa, não impede que outro teste ou experimento futuro mostre onde ela é falsa. Quando se trata de ciência, estamos sempre tentando refutar as hipóteses. Algumas são testadas há mais de um século e sobreviveram por todo este período.

Sobre o fenômeno da lua de sangue, podemos testar as duas hipóteses usando um prisma semelhante ao que Newton usou para mostrar que a luz branca é constituída das cores do arco-íris. Hoje chamamos esta área de espectroscopia. Quando estudamos a luz visível, chamamos de espectroscopia de luz visível.


Se compararmos, com a ajuda de um espectrômetro de luz visível, as luzes antes e depois de refletir na lua com a luz que sai do sol, teremos uma ideia do que se passa com a luz de modo a causar o fenômeno lua de sangue. Se houver uma diferença nas duas comparações, a lua interage de forma especial com a luz nos instantes que precedem e sucedem o eclipse dela e a hipótese um é descartada. Caso contrário, a descartada será a hipótese um e algo acontece com a luz antes de chegar à lua.

No caso de Eratóstenes, o experimento consistiu de duas etapas. Na primeira ele aguardou meio-dia do solstício e mediu o ângulo formado pela sombra com um objeto posicionado na vertical, ou seja, perpendicular ao chão. Como a hipótese de Eratóstenes é a de que a terra não é plana, ele esperava encontrar um ângulo diferente de zero. De posse desse ângulo, mandou contarem a distância de Alexandria a Siena. De posse dessas duas informações, ele seria capaz de calcular o raio e a circunferência do planeta terra.


5ª Etapa: resultados e conclusão.

Às vezes os experimentos são rápidos e os resultados deles são imediatos. Em outros casos, os experimentos são demorados e podem demorar décadas. Pode acontecer de quem começa o experimento não o terminar.

No caso da lua de sangue, os resultados não são demorados com nossa tecnologia atual. Na verdade, alguém já o fez antes de nós. E verificou que a luz é igual antes e depois de refletir na lua quando comparada com a luz do sol. O que se conclui a respeito disto? Que a hipótese dois sobrevive para ser testada novamente.

No caso de Eratóstenes, ele encontrou um ângulo de 7,2° entre a sombra e o objeto vertical. O homem contratado por ele mediu uma distância de aproximadamente 785 quilômetros. Com isto ele concluiu que a terra possui circunferência de 39250 km e raio de 6247 km. Considerando que o valores medidos com a tecnologia atual são de 40070 km (circunferência) e 6370 km (raio), é um excelente resultado para quem, viveu nos séculos III e II antes da era atual.


Em uma terra plana, ele observaria que os ângulos são iguais. Em uma terra dotada de curvatura, as sombras têm de ser diferentes.

6ª Etapa: descarte ou publicação.

As hipóteses demonstradas falsas passam por dois processos: descarte ou adaptação. Se reformuladas, passam novamente por todo o crivo do método novamente. Até a exaustão ou completo descarte. A hipóteses aprovadas nos testes são divulgadas para a comunidade científica.

A seguir um mapa mental com todas as etapas, você é capaz de identifica-las?

2 comentários:

  1. Dizem que o cara q mais odeia terraplanistas é o cara q contou os passos para eratóstenes de uma cidade até outra

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    1. Não sei dizer ao certo. Parece que existia esta "profissão" naquela época. De qualquer forma, você tem um ponto Vidal... hauhauahuahua

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